quinta-feira, julho 26, 2007

Wagner em Português - Libretos Originais - segundo drama (“A Valquíria”) da Tetralogia

Wagner em Português

Der Ring des Nibelungen - O Anel do Nibelungo
2 - Die Walküre - A Valquíria
Música e Libreto de Richard Wagner
Tradução Lusófona do Libreto
por L. de Lucca
Orchestervorspiel - Prelúdio Orquestral
Erster Aufzug - Primeiro Acto


Das Innere eines Wohnraumes: In der Mitte steht der Stamm einer mächtogen Esche, dessen stark erhabene Wurzeln sich weithin in den Erdboden verlieren; von seinem Wipfel ist der Baum durch ein gezimmertes Dach geschieden, welches so durchschnitten ist, daß der Stamm und die nach allen Seiten hin sich ausstreckenden Äste durch genau entsprechende Öffnungen hindurchgehen; von dem belaubten Wipfel wird angenommen, daß er sich über dieses Dach ausbreite. Um den Eschenstamm, als Mittelpunkt, ist nun ein Saal gezimmert; die Wände sind aus roh behauenem Holzwerk, hier und da mit geflochtenen und gewebten Decken behangen. Rechts im Vordergrunde steht der Herd, dessen Rauchfang seitwärts zum Dache hinausführt: hinter dem Herde befindet sich ein innerer Raum, gleich einem Vorratsspeicher, zu dem man auf einigen hölzernen Stufen hinaufsteigt: davor hängt, halb zurückgeschlagen, eine geflochtene Decke. Im Hintergrunde eine Eingangstür mit schlichtem Holzriegel. Links die Tür zu einem inneren Gemache, zu dem gleichfalls Stufen hinaufführen; weiter vornen auf derselben Seite ein Tisch mit einer breiten, an der Wand angezimmerten Bank dahinter und hölzernen Schemeln davor. Ein kurzes Orchestervorspiel von heftiger, stürmischer Bewegung leitet ein. Als der Vorhang aufgeht, öffnet Siegmund von außen hastig die Eingangstür und tritt ein: es ist gegen Abend, starkes Gewitter, im Begriff, sich zu legen. - Siegmund hält einen Augenblick den Riegel in der Hand und überblickt den Wohnraum: er scheint von übermäßiger Anstrengung erschöpft; sein Gewand und Aussehen zeigen, daß er sich auf der Flucht befinde. Da er niemand gewahrt, schließt er die Tür hinter sich dort ermattet auf eine Decke von Bärenfell.



TRADUÇÃO:

No interior de uma habitação: Ao centro está o tronco de um robusto freixo, de fortes e protuberantes raízes, que estendem-se longamente no soalho de terra; a árvore, em sua copa, é separada do interior por um teto de troncos, o qual é vazado com precisão, de modo a dar passagem ao tronco e a seus galhos, tendo cada um o seu respectivo furo no teto. Considere-se que a fronde da árvore estende sua folhagem sobre o teto. Em torno do freixeiro localizado ao centro, está a sala; as paredes, cobertas em algumas partes por mantas trançadas e tecidas, são feitas em rude trabalho de madeira talhada. No primeiro plano, à direita, está a lareira, cuja chaminé ergue-se, saindo pelo teto. Atrás da lareira há um espaço interno, semelhante a um depósito de provisões, ao qual dão acesso degraus de madeira; diante dele pende uma manta, cortada pela metade. Ao fundo da cena há uma porta de entrada, com um rústico fecho de madeira. À esquerda há a porta que dá acesso a um aposento interno, também ligado à sala por degraus. Afastada à frente, no mesmo lado, estende-se uma mesa, com um banco encostado à parede, e escabelos de madeira à sua frente. Um curto prelúdio orquestral é ouvido, caracterizado por sonoridades violentas e tempestuosas. No momento em que sobe o pano, vemos Siegmund, que entra, após ter rapidamente aberto, pelo lado externo, a porta: está anoitecendo; um forte trovão manifesta-se no exato instante. Siegmund, por um súbito momento, mantém a mão na tranca, enquanto examina a residência, com o olhar; ele parece esgotado por um esforço extremo; seus trajes e seu aspecto demonstram que ele está em fuga. Não vendo ninguém, ele fecha a porta atrás de si, caminha até a lareira e ali atira-se, sem forças, sobre uma manta de pele de urso.




Erste Szene - Cena I

Siegmund
Wes Herd dies auch sei, - Seja esta lareira de quem for,
hier muß ich rasten. - aqui devo repousar.

[Er sinkt zurück und bleibt einige Zeit regunglos ausgestreckt. - Sieglinde tritt aus der Tür des inneren Gemaches. Sie glaubte ihren Mann heimgekehrt: ihre ernste Miene zeigt sich dann verwundert, als sie einen Fremden am Herde ausgestreckt sieht.]
[Deixa-se cair e fica estendido, imóvel, por algum tempo. - Sieglinde entra pela porta de seu aposento. Ela supõe que seu marido está de volta à casa; seu rosto contraído mostra-se admirado, assim que ela vê um estranho estendido junto à lareira.]


Sieglinde
Ein fremder Mann? - Um estranho?
Ihn muß ich fragen. - Preciso interrogá-lo.
[Sie tritt ruhig einige Schritte näher] - [Lentamente, ela dá alguns passos, aproximando-se.]

Wer kam ins Haus - Quem veio à casa
und liegt dort am Herd? - e aí jaz junto à lareira?
[Da Siegmund sich nicht regt, tritt sie noch etwas näher und betrachtet ihn.] - [Como Siegmund não se move, ela se aproxima um pouco mais, e observa-o.]

Müde liegt er - Ele jaz fatigado
von Weges Mühn: - por uma árdua viagem:
schwanden die Sinne ihm? - fugiu-lhe a consciência?
Wäre er siech? - Estará doente?
[Sie neigt sich zu ihm herab und lauscht.] - [Ela inclina-se a ele, e escuta.]

Noch schwillt ihm der Atem; - Ele ainda respira;
das Auge nur schloß er. - apenas seus olhos estão fechados.
Mutig dünkt mich der Mann, - Parece-me forte este homem,
sank er müd auch hin. - mesmo aí estendido e fatigado.



Siegmund
Ein Quell! Ein Qwell! - Uma fonte! Uma fonte!
[fährt jäh mit dem Haupt in die Höhe] - [erguendo subitamente a cabeça]




Sieglinde
Erquickung schaff ich. - Preparo um refrigério.
[Sie nimmt schnell ein Trinkhorn, geht damit aus dem Hause, kommt zurück und reicht das gefülle Trinkhorn Siegmund.] - [Ela toma rapidamente um copo de chifre, com o qual retira-se da casa, depois retorna e entrega a Siegmund o copo, agora cheio.]

Labung biet ich - Eu trouxe o alívio
dem lechzenden Gaumen: - a tua boca sedenta:
Wasser, wie du gewollt! - água, conforme pediste!
[Siegmund trinkt und reicht ihr das Horn zurück. Als er ihr mit dem Haupte Dank zuwinkt, haftet sein Blick mit steigender Teilnahme an ihren Mienen.] - [Siegmund bebe e devolve-lhe o corne. Após agradecer com um gesto da cabeça, fita-lhe o olhar, observando seu rosto com crescente interesse.]





Siegmund
Kühlende Labung - Fresco alívio

gab mir der Quell, - deu-me a fonte;
des Müde Lasto - peso do cansaço
machte er leicht: - ela tornou leve:
erfrischt ist der Mut, - refeitas estão minhas forças,
das Aug’ erfreut - alegra-me os olhos
des Sehens selige Lust. - o abençoado gáudio do que vejo.
Wer ist’s, der so mir es labt? - Quem é esta que restaurou-me de tal modo?


Sieglinde
Dies Haus und dies Weib - Esta casa e esta mulher

sind Hundings Eigen; - são propriedades de Hunding.
gastlich gönn’ er dir Rast: - ele te concederá pouso e hospedagem:
harre, bis heim er kehrt! - espera, até que ele esteja de volta.



Siegmund
Waffenlos bin ich: - Estou desarmado:

dem wundem Gast wird dein Gatte nicht wehren. - teu esposo não há de temer um hóspede ferido.



Sieglinde
Die Wundenweise mir schnell! - Mostra-me já os ferimentos!


[mit besorgter Hast] - [com uma ansiosa pressa]
Siegmund[springt lebhaftvom Lager zum Sitz auf] - [Ergue-se subitamente,pondo-se sentado sobre a manta.]



Gering sind sie, - São pequenos,
der Rede nicht wert: - não vale à pena este assunto:
noch fügen des LeibesGlieder sich fest. - os membros do corpo ainda estão bem articulados.
Hätten halb so stark wie mein Arm - Com apenas a metade da força de meu braço,
Schild und Speer mir belhalten, - se me valessen escudo e lança,
nimmer floh ich dem Feind; - jamais eu teria fugido do inimigo;
doch zerschellten mir Speer und Schild. - mas quebraram-me a lança e o escudo.
Der Feinde Meute - O bando dos inimigos
hetzte mich müd, -perseguiu-me e cansou-me,
Gewitterbrunsta - tempestade trovejante
brach meinen Leib; - maltratou-me o corpo;
doch schneller, als ich der Meute, - mas o bando era mais rápido que eu,
schwand die Müdigkeit mir: - e fugiu-me o vigor:
sank auf die Lider mir Nacht, - caiu-se a noite sobre minhas pálpebras,
die Sonne lacht mir nun neu. - e agora o sol me sorri novamente.



Sieglinde [geht nach dem Speicher, füllt ein Horn mit Met und reucht es Siegmund mit freundlicher Bewegtheit] - [Dirige-se ao depósito, enche um corne de hidromele oferece-o a Siegmund, com amigável solicitude]

Des seimigen Metes - O cremoso hidromel,
süßen Trank - doce bebida,
mögst du mir nicht verschmähn. - não hás de recusar.



Siegmund
Schmecktest du mir ihn zu? - Queres provar primeiro?
[Sieglinde nippt am Horne und reicht es ihm wieder. Siegmund tut einen langen Zug, indem er den Blick mit wachsender Wärme auf sie heftet. Er setzt so das Horn ab und läßt es langsam sinken, während der Ausdruck seiner Miene in Starke Ergriffenheit übergeht. Er seufzt tief auf und senkt den Blick düster zu Boden. Mit bebender Stime.] - [Sieglinde toma um gole do corne, e devolve-o a Siegmund. Ele toma um longo trago, mantendo o olhar fixo nela, com crescente ardor. A seguir, depõe lentamente o corne, enquanto a expressão de seu rosto adquire um aspecto de forte comoção. Ele emite um fundo suspiro e dirige, sombriamente, o olhar ao solo. Fala, a seguir, com voz trêmula:]

Einen Unseligen labtest du: - Deste conforto a um desafortunado:
Unheil wendeder Wunsch von dir! - Quero afastar de ti esta desgraça!
[Er bricht schnell auf, um fortzugehen.] - [Levanta-se rapidamente, a fim de ir-se embora.]

Gerastet hab ich - Descansei,
und süß geruht: - e doce foi-me o repouso;
[Er geht nach hinten.] - [Dirige-se a dentro da cena.]

weiter wend ich den Schritt. - retomo, pois, adiante, meu caminho.



Sieglinde
Wer verfolgt dich,daß du schon fliehst? - Quem te persegue,para que já te vás?



Siegmund

[lebhaft sich umwendend] - [voltando-se, vivazmente]
Siegmund[von ihrem Rufe gefessselt,langsam und düster] - [Arrebatado por seu clamor,responde, lenta e sombriamente.]

Mißwende folgt mir, - Persegue-me o infortúnio

wohin ich fliehe; - onde quer que eu vá;

Mißwende naht mich, - O infortúnio vem a mimwo

ich mich zeige. - onde quer que eu surja.

Dir, Frau, doch bleibe sie fern! - Mas de ti, mulher, longe esteja ele!

Fort wend ich Fuß und Blick. - Levo daqui meus pés e meu olhar.

[Er schreitet schnell bis zur Tür und hebt den Riegel.] - [Caminha apressado até à porta e ergue a tranca.]


Sieglinde

[im heftigen Selbstvergessenihm nachrufend] - [Indo-lhe ao encontro, a chamá-lo,num arrebatado alheamento de si.]

So bleibe hier! - Então fica!

Nicht bringst du Unheil dahin, - Não podes levar a infelicidade embora

wo Unheil im Hause wohnt! - de uma casa onde ela própria mora!


[Siegmund bleibt tief erschüttert stehen und forscht in Sieglindes Mienen; diese schlägt verschämt und traurig die Augen nieder. Langes Schweigen.][Siegmund fica profundamente perturbado e examina o rosto de Sieglinde, que baixa os olhos, tristes e constrangidos. Faz-se um longo silêncio.]


Siegmund

[kehrt zurück] - [retrocedendo]
Wehwalt heiß ich mich selbst: - Eu próprio me denomino “Doloroso”:

Hunding will ich erwarten. - esperarei por Hunding.


[Er lehnt sich an den Herd; sein Blick haftet mit ruhiger und entschlossener Teilnahme an Sieglinde: diese hebt langsam das Auge wieder zu ihm auf. Beide blicken sich in langem Schweigen mit dem Ausdruck tiefster Ergriffenheit in die Augen.] - [Ele se apóia à lareira; seu olhar fixa-se, com tranqüilo e resoluto interesse, sobre Sieglinde; esta volta-lhe lentamente, outra vez, os olhos. Ambos fitam-se num prolongado silêncio, com expressão de profunda emoção nos olhos.]

Continuação da tradução

O ANEL DO NIBELUNGO
2 - A VALQUÍRIA


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 1 - Cena 1. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Vemos o interior da sala de uma rude habitação, ao centro da qual há uma robusta árvore (um freixo), cujos galhos superiores passam ao ar livre por diversos orifícios do teto. Está ocorrendo uma torrencial tempestade. Abrindo a porta de entrada, um forasteiro, exaurido após muito andar sob a tormenta, invade a sala, manifestando sua inevitável necessidade de repouso: “Pertença a quem pertencer esta lareira, aqui preciso descansar.” Caminha até a lareira e cai, desmaiado, sobre uma pele de urso. Sieglinde, a dona da casa, saindo de seus aposentos, surpreende-se com a presença do estranho, a quem observa interrogativa, supondo-o doente, ou muito fatigado. O estranho, despertando, pede água. Ela vai buscar, e lha traz, num copo. O homem exprime seu agradecimento, e pergunta quem lhe prestou aquele auxílio. Sieglinde apresenta a casa e ela própria como “propriedades de Hunding” (seu marido), cuja chegada ela pede ao estranho que aguarde, pois lhe “concederá pouso e hospedagem”. O forasteiro faz um ligeiro comentário sobre seus ferimentos, o que desperta o zelo de Sieglinde, que pede ao estranho que os mostre. Ele, porém, diz que os ferimentos não são graves, e que sente-se forte, apesar da fuga a que lhe haviam obrigado certos inimigos, que, após terem danificado suas armas, ficaram em vantagem, não lhe deixando outra alternativa senão a fuga, pela qual lá estava ele, agora novamente revigorado. Sieglinde lhe oferece hidromel, e o estranho, mais uma vez agradecido, manifesta sua intenção de partir, pois ele “leva sempre a desgraça a todo lugar onde chegue”. Sieglinde pergunta-lhe, sempre zelosa, “quem o está perseguindo, para que ele tenha tanta pressa de ir-se embora”; o homem responde: “A má sorte me segue onde quer que eu vá; a má sorte me procura onde quer que eu apareça. Para que a má sorte não te alcance, mulher, devo levar meus pés e meus olhos daqui.” Ela insiste em que permaneça, manifestando um argumento decisivo: “Pois então fica: não podes levar embora a infelicidade de uma casa onde a própria já reside.” O forasteiro fica, e após um longo silêncio, diz que se chama Wehwalt (“Doloroso”, “Desafortunado”), nome escolhido por ele mesmo, e declara que “esperará por Hunding”. Apoia-se à lareira, numa atitude de espera. Ambos ficam calados, observando-se mutuamente.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 1 - Cena 2. Acesse aqui a tradução.
Resumo: A orquestra nos faz ouvir curtos e sinistros compassos que prenunciam a chegada e entrada de Hunding. (Este tema, associado ao personagem, predominará durante toda esta cena. Ernest Newman, em “HISTÓRIA DAS GRANDES ÓPERAS E DE SEUS COMPOSITORES” - Volume I, chama-nos a atenção para este detalhe, como “um dos maiores triunfos wagnerianos de caracterização. Em dois ou três compassos apenas, fica pintada tôda a natureza sombria, intratável e despótica do homem.” Ouçamos.) Hunding - indivíduo grande, corpulento e carrancudo - entra, e, ante a presença do hóspede, olha interrogativamente para a mulher, que explica-lhe como o forasteiro surgira na casa. À pergunta de Hunding “se foram prestadas ao estranho as devidas atenções”, ela diz que sim, “tratara-o como a um hóspede”. O forasteiro, provavelmente preocupado, confirma as palavras da mulher. Hunding, sempre duro e intrinsecamente agressivo, manifesta sua rude hospitalidade: “Sagrada é minha lareira: sagrada seja-te a minha casa.” E ordena a Sieglinde que sirva a refeição a ambos os homens. Ao observar o forasteiro, Hunding surpreende-se com a extrema semelhança entre este e Sieglinde. Puxa conversa com o hóspede, fazendo-lhe perguntas sobre as causas de sua aparição no ambiente e os infortúnios que provavelmente tivera. O forasteiro responde, mencionando as dificuldades de sua viagem, dizendo, por fim, que não faz idéia de onde esteja. O anfitrião explica-lhe onde está: na casa de Hunding, e “se seu hóspede o respeita, revele, também ele, o seu nome”. O estranho hesita, e Hunding diz-lhe que, se receia revelá-lo a ele próprio, revele, pois, à mulher, cujo olhar, diz ele, demonstra viva curiosidade. Sieglinde confirma o desejo de saber quem é o forasteiro. Este começa uma narrativa meio turva, que demonstra a pouca noção que aquele peculiar visitante tem de si mesmo, ou de suas origens: “Não posso denominar-me ‘Pacífico’ (‘Friedmund’), nem ‘Jubiloso’ (‘Frohwalt’), como bem gostaria; mas ‘Doloroso’ (‘Wehwalt’) devo chamar-me. Sou filho de Wolfe (‘Lobo’), e tive uma irmã gêmea. Certa vez, caçava com meu pai, e, na volta, encontramos a casa incendiada; minha mãe jazia morta, e da irmã não ficaram vestígios. Quem fez aquilo foi o cruel povo Neindinge (‘Invejoso’). Então, eu e meu pai passamos a viver na floresta, onde éramos freqüentemente atacados por inimigos, aos quais sempre vencíamos.” A uma pausa que faz o hóspede, Hunding comenta que já ouvira rumores sobre aquela corajosa dupla de “lobos”, embora não os conhecesse. Sieglinde pede ao estranho que continue sua história. Ele prossegue: Os Neidinge prepararam uma grande perseguição a ele e o pai. “Dispersamos o inimigo, mas perdemo-nos um do outro; procurei por meu pai, mas tudo o que achei foi um couro de lobo, vazio.” (Neste momento a orquestra entoa, passageiramente, o majestoso tema do Walhalla. Mais adiante, saberemos por que.) Dando seqüência ao seu caso, o forasteiro diz que, a partir de então, deixara a floresta, passando a uma vida desafortunada e sem rumo, sendo sempre mal recebido onde quer que surgisse, e sempre contestado quando opinava: “O que para mim era certo, para os outros era errado; o que me parecia mau, os outros apoiavam.” (“Was Rechtes je ich riet, andern dünkte es arg, was schlimm immer mir schien, andere geben ihm Gunst.”) Enfim, ele dá a conclusão do por que chamar-se a si mesmo “Doloroso”: “Só discórdia causei, só despertei sofrimento.” Hunding faz um grosseiro comentário sobre a má sorte do hóspede, pela qual deduz que “as Nornas, que determinam os destinos, não gostam de ti, e, certamente, não és um hóspede desejável”. Sieglinde pede, mais uma vez, o prosseguimento da narrativa, perguntando ao forasteiro como acabara ele perdendo as armas. Ele explica que correra em auxílio de “uma pobre jovem” cuja família “obrigara a casar com um homem a quem ela não amava”; ele vencera seus despóticos irmãos, matando-os a todos, o que, por fim, causara os remorsos da donzela, que passou a lamentar seus mortos, em pranto convulsivo. Os parentes correram a seu encalço, por vingança. A chorosa jovem, em meio à luta, não se movia, e ele a defendia de todo modo; até que os inimigos partiram-lhe o escudo e a lança, deixando-o inerme e ferido. A donzela morrera. Sua narrativa para aí, quando ele reitera os motivos de seu nome não ser “Pacífico”, mas deduzimos que, ao ver-se desarmado, e morta a sua protegida, ele começara a fuga que dera, por fim, em sua chegada àquela residência. Após a conclusão da história do forasteiro, Hunding assume um ar sombrio, levanta-se e, num breve e duro discurso, manifesta sua dedução: “Há uma estirpe vergonhosa, odiada por mim e por todos, que não honra o que honram as outras estirpes. Fui convocado à vingança, e cheguei tarde; mas acabo de achar, dentro de casa, o inimigo. Por esta noite, és meu hóspede; mas amanhã iremos à luta: pagar-me-ás o preço das mortes.” (Ou seja, Hunding é um dos membros da família da tal jovem a quem o forasteiro prestara ajuda.) Brutalmente, Hunding ordena à mulher que deixe a sala, que lhe prepare a bebida da noite e o espere até que ele se vá deitar. Depois que ela sai, volta-se novamente ao hóspede inimigo e exorta-o a guarnecer-se de boas armas, para enfrentá-lo, no dia seguinte. Entra no quarto, tranca a porta; o forasteiro fica a sós, na sala.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 1 - Cena 3. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Fecha-se a noite, e na lareira agora resta uma fraca luminosidade, que pouco alumia a sala. O forasteiro fica a cismar por alguns instantes, após os quais rememora uma promessa feita por seu pai de fornecer-lhe uma espada, quando esta lhe fosse extremamente necessária. (Esta passagem, uma das mais expressivas e célebres da Tetralogia, é conhecida como “O Monólogo de Siegmund”, pois o forasteiro, que desconhece o próprio nome, é Siegmund.) Ele sente que é esta justamente a hora em que a promessa deve cumprir-se, pois acha-se desprotegido em casa inimiga, apesar de lá ter conhecido “uma mulher adorável e sublime”. Brada chamando por “Wälse” (nome cujo significado entenderemos adiante): “Wälse! Wälse! Onde está a poderosa espada que devo usar na hora da aflição?” Neste momento, as achas da lareira rompem-se, emitindo um clarão que faz foco num ponto específico da árvore central da sala, onde brilha algo. Ele se interroga que brilho será aquele. “Será isto o olhar da radiosa mulher, que ali o fitou e gravou-se, ao sair da sala?” (“Ist es der Blick der Glühende Frau, den dort haftend sie hinter sich ließ, als aus dem Saal sie schied?)”; pois Sieglinde, antes de deixar a sala, pela ordem brutal de Hunding, mirara àquele ponto, como a indicar-lhe alguma coisa. O forasteiro, em musica de muito lirismo, manifesta o efeito daquele olhar sobre seu espírito: “A escuridão da noite cobriu-me os olhos; a luz do seu olhar de lá me alcançou, e recebi o calor do dia.” (“Nächtiges Dunkel deckte mein Aug’; ihres Blickes Strahl streifte mich da: Wärme gewann ich und Tag.”) Seu devaneio segue por pensamentos e poéticas observações, até que ele ouve a voz de Sieglinde: “Dormes, hóspede?” Volta-se, surpreso; ela explica que produziu em Hunding um sono profundo, pelo engenho de aduzir à sua bebida uma erva narcótica. O forasteiro rejubila-se com a aproximação e o apreço que lhe vota a mulher, a qual diz-lhe que tem uma arma a mostrar-lhe. Conta-lhe a história de seu casamento com Hunding, a que fôra coagida, após ter sido, segundo ela narra, “raptada por ladrões”. Durante os festejos nupciais, enquanto os homens bebiam, irrompera na sala “um estranho ancião com um traje azulado, e um chapéu meio baixado, de modo a encobrir-lhe um dos olhos; mas o brilho do outro olho intimidava a todos, a não ser a mim, a quem mirava com doçura e tristeza.” O velho brandia uma espada, a qual cravara no tronco do freixo, e desafiara todos a tentar sacá-la, pelo prêmio da posse da arma. Nenhum dos presentes o conseguira, e assim sucedera, daquele dia em diante, com todos que visitavam a casa: ninguém fôra capaz extrair do tronco a espada. “Então” - declara Sieglinde - “fiquei sabendo quem era aquele que me saudara em pleno pesar, e sei também a quem se destina a espada.” Ela deduz que é ele, o forasteiro, o merecedor e destinatário da preciosa arma. É ele que a livrará da desonra a que fôra submetida. Ele exulta, num arrebatamento de paixão: “Mulher afortunada, agora tens o esperado amigo, a quem a arma e a mulher são destinadas!” Ele desterrado, ela desonrada, ambos encontrariam felicidade, e o ultraje seria vingado. Neste ponto, a porta se abre de súbito; Sieglinde assusta-se: “Quem saiu? Quem entrou?” “Ninguém saiu, mas algo entrou” - tranqüiliza-a o forasteiro - “é a Primavera que adentra à sala” (Parece mais um traço de Wagner esta veneração à Primavera. No “Parsifal” é no começo da Primavera que ocorre o regresso da Sagrada Lança a seu lugar de direito, o que acarreta na remissão de Amfortas e dos Cavaleiros do Graal. Aliás, o amor pela Estação das Flores é uma característica dos povos que vivem em clima frio, que aguardam com ansiedade o fim de um Inverno rigoroso, cujas agruras a Primavera vem aliviar, trazendo de volta a luz e o calor do sol, o colorido das flores e o canto dos pássaros.) Unido agora por laços amorosos a Sieglinde, o forasteiro entoa a conhecida “ária” (considerada por alguns a mais bela passagem da “Valquíria”) que discorre poeticamente sobre os encantos primaveris: “Vão-se, em Maio, as tormentas do Inverno; em meiga luz fulgura a Primavera” (“Winterstürme wichen dem Wonnemond, in mildem Lichte leuchtet der Lenz”); “suavizam-se os ares, os pássaros gorjeiam, emanam-se as fragrâncias, brotam as flores, as rudes armas do Inverno curvam-se e dão passagem; a Primavera e o Amor são namorados que se unem!” Sieglinde completa seu poema: “Tu és a Primavera, por quem ansiei no frio do Inverno.” Ela, que sempre vivera entre estranhos, encontra agora aquele que é realmente seu. Por longo tempo, os dois continuam a trocar amorosas frases, até que o diálogo leva Sieglinde à lembrança do “ancião do manto azulado” que mencionara momentos antes; ela diz que o brilho dos olhos de seu amado é o mesmo do olhar daquele velho homem, que - ela sabe - era seu pai, a quem desejou chamar pelo nome. Neste momento, ela tem uma súbita inspiração, e pergunta ao forasteiro: “Teu nome é mesmo ‘Doloroso?’” Ele diz que agora, pois ela o ama, é dono “da mais sublime alegria”. Pergunta-lhe ela se seu nome poderia ser “Pacífico”. Ele pede que ela lhe dê o nome que queira. “Mas disseste que teu pai é chamado ‘Lobo’ (‘Wolfe’)?”, pergunta ela. Ele explica que esse é o nome por que o conhecem as “raposas covardes”, mas “para aqueles, como ela, cujos olhos brilham altivos, seu nome é Wälse” (eis aí o entendimento do seu clamor, no começo desta cena). Sieglinde, num sobressalto, pois não lhe restam dúvidas, exclama: “Se Wälse era teu pai, e tu és um ‘Wälsung’, é para ti que ele cravou sua espada no tronco”; e, por fim, chama-o de “Siegmund”. Então, de posse do nome que não conhecia, Siegmund entoa um triunfal “grito de guerra”, enquanto agarra nas mãos o cabo da espada inserida no caule, à qual chama “Notung” (que significa “Necessária”, “Indispensável”): “Notung! Notung! Assim te chamo, espada. Cobiçada lâmina! Mostra a cortante extremidade do teu fio; sai da reclusão e vem-te a mim!” Ele extrai do freixo a arma, e glorioso, manifesta a união consumada entre ele e Sieglinde, determinando a imediata saída de ambos daquele ambiente. Sieglinde conclui: “Ganhaste a irmã e a espada!” (pois são, realmente, irmãos e amantes), e Siegmund brada, exultante: “floresça a estirpe dos Wälsungen!” Abraçam-se, e cai o pano, encerrando o Primeiro Ato. (Observando o fato de Siegmund, até a poucos momentos, desconhecer o próprio nome, encontramos outra provável característica wagneriana, que podemos notar, mais uma vez, no “Parsifal”. Em ambos os casos, vemos o indivíduo que não pertence a si próprio, enquanto “não tem nome”. Parsifal “encontra-se a si mesmo” pouco depois de ser nomeado por Kundry; Siegmund, de modo mais ou menos análogo, reencontra a irmã, que toma como noiva, e torna-se senhor de si ao ganhar dela um nome. E note-se que em ambos os casos o nome é dado por uma mulher. É comum em Wagner a figura ou arquétipo da “mulher redentora”, perceptível até mesmo em Kundry, pois esta, embora empenhada em causar a ruína de Parsifal, acaba tornando-se o veículo de sua ascensão.)
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 2 - Cena 1. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Após uma vibrante introdução orquestral, vemos, nas alturas de uma montanha rochosa, Wotan e sua filha, a valquíria Brünnhilde, ambos animados e dispostos a propiciar um fato decisivo. Wotan ordena à filha que dê vitória a Siegmund, em sua luta com Hunding. Brünnhilde expressa sua expontânea obediência exclamando o típico Hojotoho! Heiaha!, o brado guerreiro das valquírias, após o que observa, abaixo, o interior de uma gruta, onde percebe Fricka, que se dirige ao local, num carro tracionado por carneiros, que açoita furiosamente com uma chibata de ouro. Brünnhilde adverte o pai de que “aí vem briga”, e, repetindo o grito de guerra, ela parte, disposta a cumprir sua ordem. Chega Fricka, que, com o semblante carregado, exige ao marido o cumprimento da promessa que lhe fizera, de sempre ajudá-la, quando fosse necessária a sua interferência. Wotan pede à mulher que se manifeste. “Em nome da honra do matrimônio”, Fricka, que é a deusa guardiã do casamento, vem exigir por Hunding, que viera queixar-se a ela do ultraje que aquele “impudente e injurioso par”, isto é, Siegmund e Sieglinde, lhe infligira. Segundo ela, Wotan tem o dever de revogar e inverter a ordem que dera a Brünnhilde, e que a vitória deve caber a Hunding. Wotan tenta argumentar, explicando que a união dos dois amantes não é imoral, pois que fora inspirada pelo amor e pelo encanto da Primavera. Fricka insiste na sacralidade do matrimônio, ao que Wotan argumenta que não considera sagrado um juramento feito sem amor. Fricka prossegue, em tom de extrema censura, e adverte sobre a condição incestuosa dos amantes: “Onde já se viu isto de alguém tomar por mulher a própria irmã?!” Wotan explica que tal fato inusitado finalmente aconteceu e, se assim é, cabe a Fricka abençoar o amor dos dois. Este argumento desperta a fúria de Fricka, que explode em impropérios jogando em rosto do marido uma série de censuras e acusações, sobretudo a sua própria infidelidade, por meio da qual gerara filhos aqui e ali, inclusive aquele casal, “o despudorado fruto da tua infidelidade”. Ela diz que Wotan está rebaixando a condição dos deuses, uma vez que, por causa de Siegmund (filho de Wotan com uma mulher mortal), desrespeita a exigência dela, Fricka, uma deusa. Wotan volta a insistir no advento do “fato novo”; Fricka, porque só está habituada a convenções, tem dificuldade de compreender, mas ele, Wotan, sempre foi “ao encalço daquilo que jamais se deu”, e diz que Siegmund é um “herói independente”, que dispensa a proteção dos deuses, tornado forte por suas próprias dificuldades e, portanto, livre da lei dos deuses. Fricka, dando seqüência a suas obstinadas réplicas, diz que os heróis só são heróis por causa do favor dos deuses. A discussão gira em torno dessa questão de dependência ou independência, chegando a um ponto em que Fricka dá a entender que tudo o que Siegmund tem de seu é dado por Wotan (“nele eu só vejo a ti”). Ao que Wotan, perturbado, replica que Siegmund sobreviveu por si mesmo, “em meio a atrozes penas”, Fricka diz que, se assim é, pois que Wotan não o proteja também hoje: “Retoma-lhe a espada com a qual o presenteaste!”. “A espada?”, inquire Wotan, cada vez mais transtornado; ao que Fricka persiste: “Sim, a espada ungida de força mágica que deste a teu filho.” Wotan tenta ainda evitar o pior, argumentando que o próprio Siegmund obtivera a arma, “em meio à dificuldade”. Não, diz Fricka, “tu lhe proporcionaste a dificuldade e a espada.” Após mais alguns argumentos de Fricka, Wotan percebe que suas réplicas são inúteis, e, por força de sua condição de deus, é obrigado a cumprir a exigência de Fricka. “Que exiges tu?” “Que abandones o Wälsung” (isto é, Siegmund). Wotan cede. Fricka incrementa sua exigência, acrescentando que Wotan não proteja Siegmund e que nem a valquíria (Brünnhilde) o faça, e que, se não é possível arrebatar a Siegmund a espada, pois que Wotan retire a magia da mesma. A estes últimos dois itens, Wotan ainda tenta reagir, mas acaba cedendo. Ouve-se, ao longe, o brado guerreiro de Brünnhilde, que regressa. Fricka exige de Wotan o juramento de que fará conforme ela ordena. Ele, desesperado, responde, com forte embargo na voz: “Nimm den Eid!” (literalmente, “Recebe o juramento!”, o que melhor se entenderia em português como “Tens minha palavra!”). Brünnhilde chega e Fricka, antes de partir, lhe informa que seu pai tem algo a dizer-lhe.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 2 - Cena 2. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Ao ver-se a sós com o pai, Brünnhilde percebe sua desolação e, aflita, pede-lhe que narre o sucedido entre ele e Fricka, que tanto o prostrara. A princípio, Wotan expressa sua dor e desesperança (“O heilige Schmach! O schmählicher Harm! Götternot!”, isto é, “Oh, desgraça da sacralidade! Oh, injuriosa agonia! Provação dos deuses!”), e, ante as ansiosas instâncias da fiel Brünnhilde, ele ainda hesita em abrir-se com a filha, receando que a revelação das causas do seu sofrimento lhe prejudiquem a autoridade (“Laß ich’s verlauten, lös ich dann nicht meines Willens haltenden Haft?”, ou seja, “Se exponho tal, eu não perderia a sustentação da minha vontade?”); Brünnhilde responde que ela própria não é nada mais que a vontade de Wotan. O pai cede, e começa a narrar-lhe como tudo sucedera, desde quando seus impulsos pelos prazeres do amor deram lugar ao desejo de poder, cujo impulso lhe induzira a fazer mau uso dos tratados, instigado, inclusive, por Loge. Explica que a busca pelo poder, longe de satisfaze-lo, lhe acirrara ainda mais o desejo do prazer do amor. Conta, então, a história daquele que, pelo poder, rejeitara o amor, o nibelungo Alberich, que se apropriara do Ouro do Reno, e, com o mesmo, adquirira poder imensurável. Narra que, por meios ardilosos, obtivera o anel que Alberich forjara do ouro, mas que, em vez de devolvê-lo às Filhas do Reno, dera o espólio aos gigantes, em pagamento pela construção do castelo. Fala da aparição de Erda, que lhe dera o sábio conselho de renunciar ao anel. Erda - personificação da Sabedoria - o fascinara, a ponto de ele ansiar por segui-la, o que não pode na ocasião, mas que depois, impelido pela ansiedade, empreendera, procurando-a nas profundezas da terra, onde ela habitava, e, conquistando-a como amante, gerara, com ela, as donzelas guerreiras (as valquírias), dentre as quais a própria Brünnhilde: “der Welt weisestes Weib gebar mir Brünnhilde, dich.” - “a mais sábia das mulheres do Mundo deu-te à luz, Brünnhilde, para mim.” (Eis aqui, provavelmente, o aspecto de uma fusão dos diversos anseios que impelem o desejo humano, incluindo o poder, o amor - ou sexo - e o conhecimento - ou sabedoria. Wotan, cativado pelo desejo de poder, não queria ceder o anel; Erda, com sabedoria, o admoestara em sentido contrário; a ânsia pela sabedoria o impelira para junto de Erda, e pelas vias do amor/sexo, Wotan concubinara-se a Erda, gerando as valquírias, virgens guerreiras, cujo elemento é, de certa forma, caracterizado por uma fusão de obediência - a ele, Wotan, o que está associado também ao poder do próprio Wotan - e, no caso especial de Brünnhilde, sabedoria, posto que ela personifica a confidente e quase conselheira do pai.) Por meio das valquírias, Wotan quisera reverter os fatos, de modo a evitar a catástrofe dos deuses, a que aludira Erda. Assim, incumbira as filhas de arrebanhar os mais valorosos heróis, mortos em combate, para formar as hostes guardiãs do Wallhalla. Brünnhilde comenta que a tropa está bem guarnecida, e Wotan explica que o problema não é este, pois, no momento, Alberich não teria poderes para desbaratar o exército arregimentado pelas valquírias. O nibelungo só poderia derrotá-lo, voltando os soldados a seu favor e contra Wotan, pelo poder do anel, caso recuperasse a jóia. Mas o anel está em poder de Fafner, um dos gigantes construtores da fortaleza, e Wotan não pode usar de poder ou valentia para arrebatá-lo a Fafner, pois um tratado acertado com o gigante o impede de afrontá-lo. (“der durch Verträge ich Herr, den Verträgen bin ich nun Knecht” - “por meio de tratados fiquei senhor; agora dos tratados sou escravo”). Diante deste impasse, só restava a Wotan confiar a missão a outro, que deveria ser totalmente livre, isento de sua influência e proteção, aquele que, por seus próprios meios poderia “realizar aquilo que Wotan só podia desejar”. Desolado, diz à filha que não conseguira conceber tal herói livre, que só pudera produzir escravos. Brünnhilde replica, mencionando Siegmund, o Wälsung: não fizera-se ele por si mesmo? Wotan explica que a tentativa fora vã. Concubinando-se a uma mulher mortal, gerara Siegmund e Sieglinde, na esperança de criar uma estirpe que redimisse o mundo, por intermédio da bravura de Siegmund, mas, porque Siegmund não é realmente independente de sua proteção, pois ele, Wotan, lhe proporcionara a espada, Fricka teve argumento contra ele, exigindo que o matrimônio de Hunding fosse “honrado”. Wotan julga-se vencido. Sabe que, embora desprovido do desejo amoroso, Alberich, por meios de sedução material, Alberich unira-se a uma mulher para gerar um filho, por intermédio do qual pretendia recuperar o anel e, por conseguinte, o poder absoluto: “Pois que triunfe o nibelungo!” (note-se que Alberich, para defender seus interesses, emprega o mesmo artifício de Wotan, isto é, gera um filho que trabalhe a seu favor). Ao que a filha lhe pergunta o que deve fazer, Wotan dá-lhe a indesejável contra-ordem de favorecer Hunding na luta. Brünnhilde tenta negar-se a obedecer a tal comando; argumenta com veemência contra a “ordem contraditória” do pai. Wotan, violento, a repreende (“Ha, Freche du! Frevelst du mir?” - “Insolente! Ousas desafiar-me?”), intimando-a a cumprir o ordenado. Sai a passo rápido, deixando a sós Brünnhilde, que, entristecida, prepara-se para consumar a determinação do pai.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 2 - Cena 3. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Siegmund e Sieglinde, em fuga, chegam ao cume de uma montanha. Ele tenta convencê-la a descansar, mas ela insiste em prosseguir a marcha. Siegmund torna a suplicar que ela pare, expressando-lhe sua dedicação de companheiro e protetor. Sieglinde, num assomo de desesperança e medo, pede que ele siga rumo e a deixe com sua desgraça, pois “não é digna de tão nobre homem”; que ele parta e que ela morra ali mesmo, para que “o vento pulverize seu cadáver”. Ela se considera, perante Siegmund, um estorvo, causadora de “vergonha e desdita”. Ele argumenta que a vingará, pela desonra que lhe impusera Hunding (um marido imposto e não desejado), que há de cair sob o golpe da Notung (a espada de Siegmund). Sieglinde julga escutar, ao longe, os rumores da perseguição que Hunding empreende aos dois. Num longo delírio, ela antevê a luta, descrevendo a cena conforme se lhe apresenta à mente aterrorizada: os cães de Hunding dilacerando o corpo de Siegmund com os dentes. Por fim desmaia nos braços de Siegmung, que aconchega a si a adormecida, de modo a repousá-la.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 2 - Cena 4. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Após longo silêncio, surge Brünnhilde, que, saindo de uma gruta, aproxima-se de Siegmund, a quem se dirige solenemente, anunciando-lhe que em breve deverá ele acompanhá-la (“Siegmund, sieh auf mich! Ich bin’s der bald du folgst.” - “Siegmund, olha para mim! Sou aquela a quem logo seguirás.”). Pergunta-lhe Siegmund quem ela é, ao que Brünnhilde se identifica como “alguém a quem só os valentes prestes a morrer vêem”, e diz que ele é agora escolhido. “E para onde conduzirás o herói que há de seguir-te?”, torna Siegmund; ao que Brünnhilde explica: “à Morada dos Deuses (Walhalla), onde passarás a integrar as hostes do Pai das Batalhas (Wotan)”. Ele faz diversas perguntas sobre a vida que levaria por lá, e Brünnhilde responde a todas. Siegmund demonstra concordância com relação às respostas de Brünnhilde, mas resta-lhe ainda uma dúvida, que o leva a formular a última pergunta: se Sieglinde irá com ele. Brünnhilde diz que não, pois ela “ainda terá de respirar o ar da Terra”; ao que Siegmund, calmo e determinado, declara que, neste caso, ele também não irá (“So grüße mir Walhall, grüße mir Wotan” . . . “zu ihnen folg ich dir nicht” - “Pois leva minha saudação ao Walhalla, a Wotan” . . . “ao encontro deles não te seguirei”). Brünnhilde tenta explicar-lhe que não há alternativa, pois ele já vira “o olhar fulminante da valquíria”. À réplica de Siegmund, que desconsidera o poder do olhar de Brünnhilde sobre si, ela responde que assim é, de fato, enquanto ele vive, mas depois de morto, não haverá como evitá-lo. Ele inquire quem seria capaz de vencê-lo. Hunding o matará em combate, explica Brünnhilde. Siegmund não crê que Hunding o possa, inclusive pelo poder de sua espada invencível (Notung). Brünnhilde continua a esclarecê-lo da situação vigente, e lhe informa sobre a atual condição de sua espada, cujo poder especial fora retirado por aquele mesmo que a ungira. Siegmund, sentindo-se traído por seu defensor (Wälse, seu pai, cuja identidade original - Wotan - ele ignora), expressa sua revolta. Não aceita nenhum argumento da valquíria, e diz que prefere ir ao inferno do que ao Walhalla sem Sieglinde. Brünnhilde continua a replicar, ele sempre a recusar; ela pede-lhe que deixe Sieglinde a seus cuidados, com o filho que ela traz no ventre. Num arroubo de extrema obstinação, Siegmund decide matar a ambos, Sieglinde e o filho que ela espera. Já pronto a golpear a mulher com a Notung, é impedido por Brünnhilde, que, no extremo da comoção, dá-se por vencida e reconsidera, prometendo-lhe a vitória sobre Hunding. Com votos de boa sorte e a garantia de retornar para ajudá-lo na hora da luta, ela sai de cena.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 2 - Cena 5. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Por alguns instantes, Siegmund fica a contemplar Sieglinde, adormecida; por fim, acomoda-a sobre a rocha. Ouve, ao longe a trompa de Hunding e, com a espada em punho, corre ao encontro do inimigo. Sieglinde, em sono convulsivo, começa a delirar, num sonho em que revê a tragédia ocorrida outrora com sua família, quando a casa onde vivia fora tomada de assalto, sua mãe morrera e a morada fora incendiada. Desperta, aturdida, chamando poe Siegmund. Ouvem-se as vozes de Hunding e Siegmund a insultarem-se. Os dois surgem em cena; Sieglinde, aflita, observa a contenda, suplicando aos dois que parem. Aparece Brünnhilde, que exorta Siegmund a golpear Hunding. Mas, no exato momento, surge Wotan, que, com sua lança, rompe em dois pedaços a espada de Siegmund, que é mortalmente ferido por Hunding. Siegmund cai, morto; Brünnhilde chama a seu encontro Sieglinde, e, ambas montando o cavalo de Brünnhilde, fogem. Wotan dirige-se com desprezo Hunding, chamando-o de escravo e ordenando-lhe que “vá ajoelhar-se diante de Fricka, pois a lança de Wotan puniu o que lhe fazia escárnio”. O desprezo de Wotan age como uma espada sobre Hunding, que, por sua vez, também tomba, morto. Após esta manifestação de desgosto pelo cumprimento de uma missão odiosa, a cólera de Wotan volta-se à outra ofensa que sofrera: a desobediência de Brünnhilde. Irado, ele promete puni-la e, ao som de um trovão, deixa a cena. Cai o pano, encerrando o Segundo Ato.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 3 - Cena 1. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Abre-se o Terceiro Ato com famosa passagem conhecida como “A Cavalgada das Valquírias”, na qual vemos as irmãs de Brünnhilde, nas alturas montanhosas, em animada movimentação, algumas chegando, a trazer guerreiros mortos em combate, para o exército do Walhalla, outras as recebendo. Por fim, avistam Brünnhilde, que se aproxima, ao longe. Esta chega, atarantada, com Sieglinde, e suplica às irmãs que a ajudem na fuga e salvamento de sua companheira, desconhecida das outras, que está grávida. Todas recusam-se a ir contra Wotan, ao qual são todas fiéis. Para elas a atitude de Brünnhilde é uma loucura, e, à medida em que ela insiste, instando com as irmãs para que alguma delas empreste seu cavalo, de modo a facilitar a fuga das duas, elas mantêm-se irredutíveis: nenhuma desrespeitará Wotan. No entanto, para proteger a irmã, algumas estão de vigia num ponto alto do rochedo, prontas a avisar da aproximação do pai furioso. Sendo, enfim, avistado Wotan, que vem colérico, Brünnhilde ordena a Sieglinde que fuja sozinha, que dirija-se às cercanias da gruta onde vive Fafner, o gigante transformado em dragão, lugar evitado por Wotan, que lhe tem ojeriza. Antes de despedi-la, determina o nome que ela deverá dar ao filho que há de nascer: ele se chamará “Siegfried”. Ela, Brünnhilde, ficará e aceitará o castigo. Sieglinde agradece com emoção, e vai-se. Ouve-se, à distância, a voz iracunda de Wotan, gritando pela filha rebelde. Todas as valquírias unem-se, em círculo, em torno de Brünnhilde, a fim de escondê-la e protegê-la de Wotan.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 3 - Cena 2. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Wotan, por fim, chega, esbravejando e exigindo que todas lhe entreguem Brünnhilde. Elas procuram apaziguá-lo, tentando ainda ocultar a irmã. Wotan, que não se deixa vencer pelo sentimentalismo, dirige-se com violência as filhas que, segundo ele, estão protegendo uma proscrita. As valquírias, que são donzelas guerreiras, ante a ameaça que paira sobre a irmã, comportam-se como mulheres comuns, dando ênfase ao sentimento fraternal, o que mais acirra a fúria do pai, que reprova severamente tal demonstração de “sentimentalismo feminino”. “Criei-vos valentes para as batalhas” - ele esbraveja - “e agora vos desmanchais em lamúrias porque venho punir uma rebelde?” A própria Brünnhilde, então, decide aparecer e enfrentar o pai, a quem se apresenta, emergindo do círculo protetor formado pelas outras. “Cá estou eu, pai; determina o castigo”. Wotan começa a despejar sobre ela uma série de fortes imprecações. Numa passagem comovente - na qual música e palavras unem-se numa expressão nítida do estado de espírito de Wotan, que está ao mesmo tempo irado e magoado - o autoritário deus exprime tal duplicidade emotiva, causada pela atitude, para ele rebelde e infiel, de sua filha favorita. Ela fora tudo para ele: a cumpridora de suas vontades, a escudeira fiel, aquela que impelia heróis a seu favor; agora, que se voltara totalmente contra ele, estava tudo acabado: Brünnhilde não é mais nada do que significara para Wotan, está desligada da família dos deuses e não é mais uma valquíria; pois que se contente com o que restou de si. Brünnhilde, tristíssima, pergunta ao pai se ele a está renegando. Wotan fala, então, claramente: Brünnhilde está dispensada de todas as suas funções e destituída de todas as honrarias que lhe cabiam: “Estás excluída de minhas atenções”. As irmãs lamentam, e Wotan completa a extensão do duro castigo destinado à filha, declarando que Brünnhilde será posta em profundo sono, e ali ficará, dormindo, até que o primeiro homem que, de passagem, a encontre e desperte, a tome por mulher. Isto quer dizer que Brünnhilde deixa a condição de entidade imortal para passar à de mulher comum, o que significa, para uma valquíria, a maior desonra, o pior castigo. As irmãs imploram a Wotan que revogue a punição; ele, autoritário e cheio de ira, ordena a todas que saiam, e que nunca mais se aproximem da irmã proscrita, sob pena de partilharem da mesma sorte. As valquírias debandam, amedrontadas e lastimosas.
Aceda a Tradução.


Die Walküre (A Valquíria) - Acto 3 - Cena 3. Acesse aqui a tradução.
Resumo: Brünnhilde e Wotan estão a sós. Ela, devotada, apesar do medo, tenta mostrar ao pai que sua transgressão é perdoável, pois fizera o que, na verdade, Wotan queria, posto que ele cedera a contragosto à vontade de Fricka. Wotan replica, afirmando a prioridade da obediência, lembra-lhe, enfaticamente, que reformulara a ordem, realmente contra sua íntima vontade, e, malgrado a dor que tal atitude lhe impunha, ele tinha que levar a cabo, e a ela, Brünnhilde, cabia obedecê-lo. Brünnhilde ainda argumenta suavemente, lembrando ao pai o amor que ele tinha por Siegmund: “amavas o Wälsung; eu percebi o teu dilema”, ela diz, e discorre sobre a dificuldade de Wotan que ela tentara resolver por seus próprios meios: “Eu, que enxergo por ti, enquanto o conflito te impede, pude enxergar Siegmund”, e narra-lhe como fora o seu encontro com Siegmund, quando, ao apresentar-se a ele como mensageira da morte, percebera a agonia amorosa, a coragem e o infortúnio do herói, acabando por compartilhar de seus sentimentos, aos quais cedera, a ponto de desafiar o comando de Wotan. Este, num extenso lamento - que é ao mesmo tempo, o prolongamento de sua repreensão a Brünnhilde - manifesta sua dor por ter-se visto tão irreversivelmente impedido de fazer algo que desejava realizar com tanto ardor, isto é, dar vitória a Siegmund. Comentando a simplicidade que norteara a decisão de Brünnhilde, reprova, paradoxalmente, a atitude da filha, que agira em prol da vontade íntima de seu pai, mas contra a determinação adversa que o mesmo impusera a ela e a si próprio. Após ouvir do pai a declaração de que estão desfeitos definitivamente os laços que os uniam, Brünnhilde lembra que, na ocasião do dilema, ouvia somente o que o espírito lhe inspirava: “ama o que te é amado”, e argumenta que, embora tenha que afastar de si “a sua própria metade”, não poderá Wotan dar a ela um destino de absoluta vergonha (isto é, tornar-se uma mulher comum e pertencer ao primeiro homem que a encontre). Wotan mantém, ainda, sua decisão dura: “Du folgest selig der Liebe Macht: folge nun dem, den du lieben mußt!” - “Seguiste feliz o poder do amor; segue, pois, aquele a quem terás de amar!”. Brünnhilde, que já está resignada com sua transformação em pessoa comum, não pode, porém, aceitar a idéia de tornar-se mulher de um homem desprovido de valor. Subitamente inspirada, refere-se, então, ao herói que está para nascer: o filho de Sieglinde. Wotan reage com repulsa, pois Brünnhilde alude à estirpe dos Wälsungen (Siegfried, filho de Siegmund e Sieglinde), por ele próprio condenada. Ela, sempre respeitosa, mas tomada de coragem, dá prosseguimento a seu pedido, de argumento em argumento, até mencionar a espada que Sieglinde leva consigo (“Sie wahret das Schwert, das du Siegmund schufest” - “Ela tem a espada que tu produziste para Siegmund”), o que provoca mais um rompante de Wotan (“Und das ich ihm in Stücken schlug!” - “E que eu parti em pedaços!”), que prossegue, sombrio: “Nicht streb, o Maid, den Mut mir zu stören; erwarte dein Los, wie sich’s dir wirft” - “Não tentes, garota, mover-me o ânimo; aguarda teu destino conforme te venha”. Brünnhilde, por fim, pergunta-lhe que castigo lhe caberá. Wotan reitera a decisão tomada: ela dormirá profundamente, e pertencerá ao homem que venha a acordá-la. Brünnhilde suplica ao pai que minimize o castigo, determinando que seja ela, sim, possuída por um homem, mas só pelo maior dos heróis, aquele que seja capaz de atravessar uma barreira de fogo que a circunde. Wotan ainda opõe resistência, mas, ante as últimas inflamadas súplicas da filha, seu amor de pai fala mais alto, e ele cede. Despede-se da filha, na comovente passagem conhecida como “O Adeus de Wotan”. Num clamor majestoso, a princípio, e a seguir em tom de acalanto, ele expressa o amor que tem à filha da qual se aparta e a quem retira a divindade, declarando que só aquele capaz de atravessar o fogo, aquele que é mais livre que ele próprio - um deus - poderá tê-la como noiva e mulher. Por fim, invoca o nome de Loge, o Deus do Fogo, ordenando o surgimento de labaredas, que erguem-se, circundando o rochedo, onde jaz a adormecida. Cai o pano, encerrando “A Valquíria”.
Aceda a Tradução.

http://www.luiz.delucca.nom.br/wep/wagneremportugues_dw.html

Sem comentários: